Há tanta coisa que muda quando somos pais, que não consigo definir qual delas é a mais profunda: se o corpo da mulher, se a forma de encarar a vida, se o amor incondicional pela aquela criaturazinha que acabou de nascer. O que para nós era uma verdade absoluta quando ainda éramos virgens na parentalidade, agora depois do milagre da vida, aquela verdade não era assim tão absoluta e passou, durante aquelas horas de parto, a uma verdade relativa. E realmente, daquele pedaço da carne da nossa carne, nascem pessoas transformadas, novos seres: os pais.
Nós, enquanto pais, temos o dever de dar aos nossos filhos ferramentas para que eles sejam adultos saudáveis: físicamente mas sobretudo, emocionalmente. A autonomia é essencial na vida. Somos nós que os preparamos para a dureza dos dias de adulto, somos nós que os preparamos para saber lidar com os seus relacionamentos, somos nós que somos responsáveis por transmitir segurança na liberdade que lhes damos e por todos os valores que lhes encutimos, não só nas palavras mas, também, nas ações.
Agradeço muito por ter tido uns pais que, na altura certa, me deixaram voar, ainda que, por vezes, me revolte pelas asneiras que cometi. Sempre fui menina do meu nariz e sempre tive a sensação de que era a última bolacha do pacote. Sempre segui caminhos de liderança, sempre me projetei para seguir voos mais altos do que as minhas asas conseguiam aguentar. Nesses voos altos, algumas vezes, caí. Outras, ganhei músculo para outros vôos ainda maiores. Nunca tinha desistido. A minha vontade de lutar, de acompanhar as outras aves maiores era superior a qualquer vento mais brusco. Superei qualquer obstáculo a que me propus.
Mas, depois de ser mãe, consegui entrar numa espiral negativa comigo própria. Comecei a achar que todas as coisas menos boas que me aconteciam eram por culpa minha. Comecei a achar até que a minha condição de mãe em casa me rebaixava socialmente e que era mau dizer que estava a cuidar dos meus filhos ao invés de dizer que estava a trabalhar.
Afinal, a última bolacha do pacote vem sempre desfeita e aos pedaços, não é?
Uns dias depois da morte da minha avó, comecei a pensar que a pessoa que mais marcou a minha infância nunca tinha feito nada mais do que cuidar de todos nós, netos, filhos, sobrinhos e primos em casa. E que ela, inspirou todos nós a sermos pessoas melhores. E que a base do que ela tinha para dar, não eram pancadinhas nas costas, nem bolachinhas para calar os meninos. A fórmula que ela tinha para nos cativar, era o amor. Gostava de todos de forma igual, ainda que eu ache que tinha uma cumplicidade especial com o meu irmão.
O amor, ou a oxitocina para os céticos, abriu o mar Vermelho para Moisés passar, levou o Homem à Lua, liberta o leite para o bebé mamar e faz com que nos amemos. O amor faz coisas inacreditáveis como decidir sair de quem nos deu segurança, carinho e conforto e cair no abismo do colo por quem somos perdidamente apaixonados.
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