Deve ser rara a mãe recente – ou inexistente! – que, pelo menos uma vez na vida, não oiça um comentário deste género: “será que o teu leite é fraco?” – só assim para plantar a dúvida e iniciar o rol de questionamentos e angústias que qualquer mãe sente, principalmente se é uma mãe de primeira viagem e com um bebé de dias no colo.
Ou, numa versão mais autoritária, de alguém com anos de experiência na maternidade e zero filhos amamentados para além do primeiro mês: “o teu leite não presta, vai comprar uma lata à farmácia!”
Em termos nutricionais, o leite materno é totalmente adequado ao bebé, nas proporções certas para corresponder a cada etapa do desenvolvimento e garantir um crescimento equilibrado. É biologicamente compatível e microbiologicamente seguro – ou não fosse produzido pelo corpo da progenitora para alimentar a sua cria. É medicinal, pois tem fatores promotores da saúde, como os anticorpos – de que tanto se fala – os antivirais, antibacterianos, enzimas, hormonas… Células estaminais! E muitos outros.
Mas, afinal, o que se passa com a nossa sociedade? Que doença é essa, que acomete tantas mulheres, cuja mama só produz um tipo de leite: o leite fraco?
Tem-se difundido a informação de que a amamentação é o melhor para o bebé – e para a mãe! Na teoria, todos os profissionais de saúde sabem disto, as mães e pais sabem, a sociedade em geral sabe… A ciência já o comprovou centenas de vezes, por isso não há como negar. Sabemos – mas não acreditamos? Será esse o problema?
Os nossos corpos não são capazes de nutrir filhos. Não são capazes de parir. Cada vez mais são incapazes de gerar. A sociedade contemporânea não acredita no poder do corpo, na sabedoria do corpo da mulher, nem na natureza. Por isso frases como “tinha muito leite, mas era fraco”, continuam, infelizmente, a ser atuais.
De onde veio a ideia de que “o leite é fraco”?! Onde e quando começou?
As fórmulas de leite artificial (LA) são produzidas, maioritariamente, a partir de leite de vaca, manipulado para que seja tolerável e assimilável pelo organismo de um bebé humano – já que o leite de vaca é excelente também… para os bezerros.
O leite materno é alvo de estudo pela indústria das fórmulas infantis, pois serve de referência para a sua produção. No entanto, a grande maioria dos nutrientes que compõe o LA são sintetizados ou extraídos a partir de outros alimentos que, à partida, não daríamos a um bebé (como o peixe, a soja, etc. – basta ler os rótulos). Além disso, a indústria não consegue sintetizar os fatores biológicos do leite materno que fazem dele um autêntico medicamento sem efeitos secundários.
Devemos concluir, portanto, que o leite materno só é bom para fazer fórmulas de leite artificial?! Posto nestes termos, é absurdo. No entanto, acreditamos que existe uma doença sem nome que faz das mães “insuficientes”.
O bebé chora, o leite é fraco. O bebé não dorme, o leite é fraco. O bebé dorme demais, o leite é fraco. O bebé só dorme ao colo, claro que o leite só pode ser fraco. O bebé pede mama de hora a hora, o leite da mãe “não sustenta” (outra forma de dizer que é fraco…).
O bebé não aumenta de peso, o leite é fraco. O bebé aumenta imenso de peso, a mãe só pode estar a dar suplemento ou comida às escondidas! – É preciso espaçar mais as mamadas, só dar a cada 3 horas e 10 minutos em cada mama. Uma semana depois o bebé não aumentou de peso e é preciso suplementar porque…
A mãe tinha imenso leite, mas era fraco.
É um mito? É. Um mito que parece ter, no mínimo, dois séculos de existência.
Nas sociedades Antigas, as mães amamentavam os seus filhos, no mínimo, durante os primeiros meses de vida. A maioria durante os primeiros anos. Quando a mãe morria, por exemplo, outra mulher substituía-a. Em algumas culturas (egípcios, gregos, romanos, por exemplo) contratavam-se amas de leite para substituir parcial ou totalmente a mãe – principalmente entre as mulheres da alta sociedade. O leite materno era extremamente valorizado.
Foi na Idade Média que se começou a acreditar que o leite materno tinha propriedades mágicas e que as características físicas e psicológicas da mãe podiam passar através do leite para o bebé. Com o Renascimento esta ideia continuou a ganhar importância, juntando-se também a noção de que através do leite materno poderiam ser transmitidas doenças. As amas de leite começaram a perder popularidade.
Entre os séculos XVIII e XIX, a discussão em torno deste assunto começou a levar, em definitivo, à preferência pela alimentação artificial, caso a mãe não amamentasse. O biberão e o leite de vaca começaram a ganhar terreno.
A figura do “leite fraco” parece ter surgido por esta altura, como justificação para o insucesso/incapacidade na amamentação de algumas mulheres, e foi-se consolidando à medida que se acreditava que para se ser boa mãe é preciso amamentar – ter leite fraco surgia, assim, como justificação suficiente para uma mãe não o conseguir.
Final do século XIX e século XX: as fórmulas de leite para lactentes foram-se desenvolvendo e a indústria soube, sem dúvida, aproveitar-se destas crenças que já existiam na sociedade e difundi-las, expandi-las, agigantá-las, a um nível impressionante. Em meados do século passado, era muito comum acreditar-se que o leite artificial era superior ao leite materno!
A ciência da lactação humana é recente. Só há poucos anos se começou a estudar a amamentação e o leite materno e, por isso, estes mitos começaram a “cair”. Atualmente, a ideia de não produzir leite em quantidade suficiente parece ser uma das maiores preocupações das mães informadas.
Vamos deixar essa questão para um próximo post. Já está disponível aqui.
P.S.: Se alguém te disser que tens leite fraco, responde-lhe que também há mentes fracas, mas, infelizmente, ainda não se fabricam encéfalos-em-pó.
Referências:
Breastfeeding in the Course of History, 2015, http://medcraveonline.com/JPNC/JPNC-02-00096.pdf
Mitos e Crenças Sobre o Aleitamento Materno, 2011, http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232011000500015&script=sci_arttext
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