Há uma tendência para se pensar que uma CAM (conselheira de aleitamento materno) deve ser generalista e não tecer comentários sobre a sua experiência pessoal ao aconselhar outras mães. Não concordo inteiramente com isso. Eu falo da minha experiência como mãe sempre que oportuno ou mesmo quando as mães que acompanho questionam. Não acho que me descredibilize, pelo contrário. Fomenta confiança; gera momentos de partilha; afinidade; reconhecimento mútuo.
Este post é sobre a extração de leite. Algo de que eu podia falar muito objetivamente – porque até é daquelas coisas da amamentação que parecem simples e fáceis de se falar. A verdade é que pode não ser das mais simples e fáceis de viver: seja porque és uma mãe ansiosa com o regresso ao trabalho antes dos seis meses, ou porque és uma mãe que terá de se ausentar durante vários dias, ou porque tens um bebé prematuro que ainda não consegue nem pode mamar, ou porque o teu bebé tem algum problema de saúde e não consegue mamar… Ou, como aconteceu comigo no segundo filho, tens um bebé afastado de ti e fechado numa caixinha dos cuidados intensivos neonatais. Enfim, há muitos motivos para ter de extrair leite. Poderia apontar mais alguns: como ter os mamilos muito mal tratados e já não suportar mais uma mamada – algo que também me aconteceu, com a primeira filha.
Vou partilhar o que aprendi sobre extrair leite com base na minha experiência pessoal – e, naturalmente, com base naquilo que aprendo como CAM (porque é impossível dissociar as duas).
Aquilo que vou partilhar e que aprendi parece-me ser o que todas as mães, que o têm de fazer regularmente, acabam por aprender, intuitivamente. Isto servirá apenas para atalhar caminho.
1- Extrair leite é uma questão de autoconfiança.
A primeira vez que o fiz, há mais de quatro anos, senti-me um animalzinho na ordenha, com um extrator em cada mama simultaneamente. Sim, somos mamíferos também. Habituamo-nos. Até começamos a gostar de ver que realmente sai alguma coisa. Somos uma unidade de produção alimentar mesmo! O nosso bebé está mesmo a beber (mamar) leite!!!
2- Expetativas ajustadas!
Passada a fase do deslumbramento, afinal sai pouco. Sai pouco ou temos as expetativas nos píncaros? Se depois do meu bebé mamar eu extraio 20 ou 30 ml, isso não é nada pouco! Se tenho um bebé de 3 dias e extraio 20 ou 30 ml, isso não é nada pouco!
Ok, mas é que não sai MESMO NADA! Nem tapa o fundo do biberão!
Não sai agora, desta vez, mas há-de sair.
3- Extrair leite também é uma questão de persistência.
Isto aconteceu-me quando tentei tirar leite pela primeira vez com o segundo filho. Ele foi internado na neonatologia de manhã, com 24h de vida, e eu fui à bomba a primeira vez pelo fim da tarde. Ele teria mamado umas 6 vezes até ali (mais coisa menos coisa), o que nos deu um precioso avanço (em todos os sentidos).
Bomba hospitalar: check. Eu sei perfeitamente usar isto: check. Já me fartei de tirar leite antes: check. Amamentei a mais velha dois anos: check. Enfermeiro-a-olhar-para-mim-a-ver-se-sai: check.
Não sai. Nada. Nem uma gota para amostra… “Se eu tirar com a mão sai, está a ver? O problema é da bomba!” Enfermeiro-com-ar-de-quem-não-percebe-nada-de-mamas-e-bombas-mas-que-pensa-que-sabe… Check!
Agora sei que na literatura se recomenda extrair colostro à mão, pois é muito mais fácil e indicado do que com qualquer tipo de bomba – e é isso que informo sempre que uma mãe precisa de extrair nesta fase tão vulnerável. Na altura não sabia, mas mostrou-mo a experiência.
O enfermeiro também não sabia porque fez aquela-cara-de-não-tens-leite-e-vão-ter-de-lhe-dar-LA (fórmula).
4- Autoconfiança e persistência no nível máximo?
A cada extração retiramos mais. Agora já se preenche um bocadinho do fundo. Daqui a pouco já não se vê o fundo – se calhar é boa ideia tirar para um copinho pequeno ou mesmo uma colher! Não queremos perder nenhuma gota preciosa desse líquido que vale mais do que o ouro. Da próxima vez já se consegue encher uma seringa de 5 ou 10 ml.
Se estamos a extrair colostro e temos de continuar a fazê-lo, é provável que entre o 3º e 5º dia pós-parto notemos uma alteração (mais ou menos) ligeira na cor e na quantidade.
Se ficarmos com a mama muito cheia e tivermos uma boa bomba e uma boa dose de ocitocina (de preferência natural! – que tal o bebé a mamar do outro lado, se for possível, ou ver fotografias/vídeos dele? E se o imaginarmos (visualizarmos) a mamar? E se cheirarmos uma peça de roupa que ele tenha vestido?) podemos conseguir retirar bastante mais nesta fase – em que estará a ocorrer aquilo a que se chama, vulgarmente, de “subida (ou descida) do leite” (nós, CAMs, chamamos-lhe lactogéneses 2).
5- Extrair leite também é uma questão de técnica – aperfeiçoada a cada utilização e experiência.
Vamos percebendo quando e para que intensidade regular a bomba. Em que momentos retiramos mais. Que fazer compressões (apertar a mama, de forma confortável) ajuda bastante. Que mudar de mama com frequência na mesma sessão aumenta a quantidade que se retira e diminui a duração. Que inclinarmo-nos para a frente, de forma a fazer com que a mama penda, favorece o efeito da gravidade e o leite sai mais facilmente.
Se houver oportunidade experimentar diferentes extratores é ótimo. Afinal, se não sai ou sai pouco a culpa não é das mamas, é da bomba mesmo!
Para extrações intensivas ou mulheres que não pinguem leite com facilidade, aconselho extratores elétricos duplos, conhecidas por bombas hospitalares (que permitem extrair dos dois lados em simultâneo, embora possamos utilizar apenas um de cada vez – o que aumenta ainda mais a capacidade da extração).
Extrair à mão também é possível e algumas mulheres conseguem sempre mais leite desta forma; mas, sinceramente, para quem tenha de extrair com frequência e rapidamente, uma bomba é, à partida, mais eficaz e muito menos cansativo. Quando tiverem tempo e uma mama cheia de leite, treinem a expressão manual, que pode ser bastante útil saber como fazer corretamente.
Como é que eu passei de umas gotas que mal se aproveitavam no 1º dia para 400-600 ml mais um recém-nascido alapado à mama durante o dia inteiro entre as 2 e as 3 semanas pós-parto?
1º Não desisti e confiei na minha capacidade enquanto mamífera. Eu sabia que, entretanto, iria conseguir aumentar a produção de leite. O facto de haver uma experiência anterior bem-sucedida também foi muito importante – e o apoio de outras mães, algumas delas CAM.
2º Eu foquei-me num objetivo específico: “O meu filho vai sair daqui (neonatologia), seja lá isso quando for, a mamar SÓ LEITE MATERNO.”
3º Não ter vergonha de conseguir tapar apenas o fundo do biberão e entrega-lo na mesma, pedindo por tudo para o fazerem chegar à neonatologia.
4º Insistir para amamentar diretamente na mama assim que a alimentação enteral (leite) foi liberada e recusar suplemento sem necessidade.
5º Estar presente na neonatologia todo o dia para amamentar, a toda a hora, livre-demanda – o que, infelizmente, ainda é uma missão praticamente impossível em muitas neonatologias deste país.
Assim, o meu filho mamava sempre que eu estava e só lhe davam suplemento de LM ou LA (quando acaba o LM) na minha ausência.
6º Ter uma rotina de extração.
É aconselhado extrair de noite e eu sabia-o já na altura, mas confesso que o fiz poucas vezes. Escolhi descansar e compensar durante o dia.
Quando acordava conseguia tirar uns 100-150ml de cada mama. Cerca de 2h depois dava de mamar ao chegar à NEO. Assim que o meu filho me dava uma folgazinha, ia para a bomba. Muitas vezes me foram chamar para lhe ir dar “a sobremesa”. Entregava o pouco que tinha tirado, com sorte 30 ou 40ml, e ia amamentar novamente. Sim, ainda havia leite!!! E adormecia. No intervalo da mamada ia extrair mais algum leite.
Há sempre leite a ser produzido. Quanto mais é retirado, mais é produzido. Não há dúvida nenhuma.
7º Manter o foco.
Eu sabia que ele era um bebé de alta demanda, que tomava imenso leite durante a noite, e tinha de lhe deixar o suficiente para 3-4 tomas (100-150 ml cada uma!). O meu pensamento era: “Hoje vou tirar X ml para deixar.” Não largava a bomba enquanto não o atingisse.
Teve alta com 20 dias de vida em amamentação exclusiva. Ainda sobrou leite em casa, no congelador, no frigorífico e trouxe um frasco com 120ml da NEO. Quando ele chegou a casa arrumei a bomba. Tinha mama a noite toda se fosse preciso. Não havia mais biberões ou suplemento de LM ou LA. Só existiam duas opções viáveis: mamar ou mamar. Preparei-me para noites intensas, mas não foi preciso. Não havia leite de menos, havia leite demais.
Se és uma mãe aflita que precisa de extrair leite e não consegue – seja por que motivo for – conversa com uma CAM!
Partilhem connosco as vossas experiências.
Filipa dos Santos, Amamenta Porto
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