“Teresinha, liga à tua irmã”

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“Teresinha, liga à tua irmã”

Tantas vezes me avisaste, mas como sempre, fiz ouvidos moucos. Era e sou uma miúda que teimava em não ligar nenhuma ao que me dizem. Continuo a não usar brincos diariamente e a responder com o coração na boca.

Dizias-me que

iria dar-te valor quando morresses e que iria ter muitas saudades tuas. O que é certo é que mais uma vez, a tua eterna sabedoria deu-te razão e cá estou eu, diariamente a pensar em ti e cheia de saudades tuas. Alguns dias após a tua morte, liguei para casa da minha mãe, de manhã, como alguns dias da semana fazia à tua procura: mas ninguém atendeu. Foi aí que bateu a primeira saudade. Enquanto aquele telefone insistia em ligar-me para o voice mail, mais vezes eu ligava para ter a certeza do que ouvia.

Tenho muitas saudades das tuas chamadas às escondidas para mim, para me relembrar para ligar para os meus tios ou para a minha mãe. Ou até das insistências “Teresinha, liga à tua irmã!”, quando a minha mãe se esquecia de ligar à minha madrinha.

Por vossa causa, de ti e do avô, tive uma infância muito feliz. Desde os pequenos almoços no Gomil à visita diaria ao mercado de matosinhos. Foi aí que apanhei a primeira lição de vida: ao ver que a carne que comia vinha de um animal vivo. Aprendi também a cozinhar e que os melhores pêssegos eram os “maracotão”, como tantas vezes dizias.

Foram tantas as histórias que nos contavas de quando eras nova: que sonhavas em viver na ilha do Paquitá e que num teatro tinhas sido a Raínha da Prússia. Na vida real, Guidinha, eras mais bonita do que qualquer rainha conhecida. A tua beleza era bem maior do que o teu físico. Para além de te gabares que ninguém te dava a tua idade real, graças ao “miraculoso” creme Nivea de lata azul, muitos dos que se cruzavam contigo viam a beleza dos teus olhos e o teu constante sorriso.

Nunca tiveste um posto de trabalho, mas trabalhaste mais em prol da humanidade do que muito doutor. Tinhas a letra desenhada que eu imito na perfeição. Fazias as melhores pataniscas, mas alinhavas sempre connosco na coca-cola e na pizza. E sempre, sempre que adoravas a comida, juntavas o punho ao peito e dizias: “Murro no peito, fica um homem satisfeito.”

Eras uma pessoa de convicções tão fortes que o teu caminho, mesmo que irregular, te levava ao teu objetivo. Votavas sempre, porque as mulheres conseguiram isso e recordavas-te do saudoso Sá Carneiro que “fazia tanta falta ao País”. Vê lá tu que nos dizias que votavas sempre no PPD, mesmo que este já tenha alterado há anos para PSD.

Lembras-te daquele Natal, que mandaste calar toda a gente durante a ceia para dizer “shhh… não se ouve nada!” ? Lembras-te das vezes que mandavas calar o André ou o Tio Luís quando contavam anedotas? Lembras-te das toneladas de chocolate que me trouxeste durante anos, todos os dias, de manhã?

Foste, mesmo chata, a melhor mulher e avó do mundo. Desculpa não te ter dado mais atenção e ouvidos. Desculpa não ter tido coragem de ir ao hospital despedir-me de ti. Desculpa nunca ter vertido uma lágrima no teu funeral. Desculpa não te ter levado flores. Cumpri a minha promessa que tanto insistias em vida.

Este é o meu luto. Recordar-me-ei de ti assim, sempre : com muita cor e pouco preto a ouvir o Anel de Rubi.

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